sábado, 12 de setembro de 2015

Pôr do Sol na Praia da Ursa ... a praia mais ocidental da Europa

Há muitos milhares de anos, quando a terra era uma enorme bola coberta de gelo, um pouco a norte do actual Cabo da Roca vivia uma ursa com os seus filhos...
A Pedra da Ursa
Quando o degelo começou, os deuses disseram a todos os animais para abandonarem a beira-mar, mas a ursa não o fez, pois ali tinha nascido e ali queria ficar. Então os deuses, enfurecidos, transformaram a ursa em pedra e os seus filhos em pequenas rochas dispersas à volta da mãe, que ali para sempre ficaram ... dando assim o nome à Praia da Ursa, a praia mais ocidental da Europa e, segundo o guia Michelin, uma das mais bonitas praias do mundo! (in "Lenda da Praia da Ursa", "O Caminheiro de Sintra")
A Praia da Ursa foi o local escolhido pelos Novos Trilhos para ir ver o pôr do Sol, no penúltimo sábado de verão. Mas, claro, bem ao estilo do grupo, aproveitámos para subir à Peninha, descer as arribas do Forte do Espinhaço, Malhada do Ouriçal, Cabo da Roca e, finalmente, Praia da Ursa; já de noite, regressámos à aldeia de Ulgueira, ali no sopé da serra virado ao Cabo da Roca. Quase 20 km de um périplo com mil metros de desnível acumulado ... a partir das três da tarde.
Serra de Sintra, 12.09.2015, 15:18h
Começou mais uma caminhada Novos Trilhos
Virando as costas ao mar, começámos por subir à Peninha pelo Cabeço do Outeiro. A tarde estava magnífica e da Peninha, da sempre mágica Peninha, a serra e o mar eram nossos. Segundo a lenda, nos tempos de D. João III, uma pastora surda e muda andava naqueles montes a guardar gado. Uma ovelha ter-se-à tresmalhado. Chegada ao cimo da serra em sua busca, apareceu-lhe uma linda Senhora, que a mandou a casa e que pedisse pão à sua mãe; a menina respondeu que não havia pão, mas a Senhora afirmou-lhe que havia seis pães na arca. Alvoraçada, quando a mãe ouviu o chamamento não reconheceu a sua filha, mas, passado o espanto, foi à procura do pão e ele, como por milagre, estava realmente na arca. No dia seguinte, os vizinhos foram com a menina até ao local onde tinha encontrado a Senhora e ali, na cavidade de uma rocha, descobriram uma imagem de Nossa Senhora da Peninha.

Peninha ... sempre mágica...
Rumando ao mar a sul da Azóia, antes das seis da tarde estávamos nas falésias junto à Ponta do Rebolo. A partir daí ... foi um autêntico sobe e desce, um descobrir a cada esquina de rochas escarpadas, das gaivotas a prepararem-se para o declinar do dia, das ondas a rebentar nas enseadas escondidas.

Se fôramos gaivotas, amada minha,
Ou cérilos.
As longas asas de aconchego acolheriam
O espesso passado de ternura e desencontros.
A origem leve e magra de um atrito…
Ou o tímido aflorar de um gesto de ternura.
(José Ribeiro Ferreira, "Se fôramos gaivotas")
18:20h, Forte do Espinhaço ... e já se vê o Cabo da Roca
O forte do Espinhaço foi, muito provavelmente, edificado nos finais do reinado de D. João IV, ou já na regência de D. Pedro II. A primeira planta conhecida data de 1693, mas a vistoria de 1751 considera-o já parcialmente arruinado. Desta bateria subsistem apenas alguns troços de muralha e de parte abobadada do paiol. Dali ... o Cabo da Roca chamava-nos. Tínhamos pouco mais de uma hora para chegar à Praia da Ursa, a norte do Cabo, para assistir ao pôr do Sol no mar, que já se avizinhava.


                            Como outrora, Atlântico exaltado,
                            Também nossa geração enfeitiças
                            Com tua ousada e esplêndida mensagem!
(Maria da Fonseca, "Poesia da Natureza")       
18:52h - A paleta vai-se compondo...
E lá vamos,
rumo ao poente
Enseada do Assentiz, a Pedra da Azóia ali ao pé de nós, Malhada do Ouriçal, descemos, subimos ... somos olhados com curiosidade por dezenas de espectadores de todas as nacionalidades que, no Cabo da Roca, aguardam o espectáculo do pôr do Sol. Lá ... onde a Terra acaba e o mar começa!

Cabo da Roca, 19:15h - Falta pouco mais de meia hora
Do Cabo da Roca à Praia da Ursa, o ritmo foi quase de corrida. As nuvens pareciam querer pregar-nos uma partida, pareciam querer esconder o tesouro do Sol, mas não esmorecemos. As pernas ainda conseguiam correr, saltar, subir, descer ... e à medida que íamos descendo para a praia que nos tínhamos obrigado a nós mesmos a atingir antes de o Sol se pôr ... as cores voltaram ... o espectáculo começou...

Descida à mítica Praia da Ursa ... e o Sol desce connosco, deitando-se num Oceano de todas as cores
Lá, nos confins de um sinuoso caminho entre as falésias abruptas ... lá, nos confins de uma Europa em erupção ... lá estava o milagre da paz de uma praia perdida e deserta, de uma praia selvagem e bela ... lá estava a ursa e os seus filhotes, petrificados, erodidos, perdidos num tempo sem tempo.
O mar vinha beijar a areia limpa, as rochas ... as almas.

A Pedra da Ursa e os seus filhotes

E ali, naquela areia virgem, detivemo-nos mais de meia hora, sentados, de pé, deambulando nos limites das rochas e do sal do mar, deixando fluir os pensamentos, perdidos na imensidão e na profundidade da imaginação de cada um. Perdida na areia, encontrei uma pena de gaivota. A que Fernão Capelo terá pertencido? Por que paragens terá voado? Trouxe-a na cabeça, para a dar a uma outra "ursa"; há muitos, muitos anos, noutras fragas, noutro tempo ... a minha "ursa" usava por vezes uma pena de gaivota, quando vogávamos no mar da "eterna" juventude, quando os tempos conturbados do hoje estavam lá longe, muito longe, num futuro distante. Era, e é ... a minha "indian girl "...
Era já noite quando subimos o tortuoso carreiro da Praia da Ursa. E de noite regressámos à Ulgueira e ao local onde tínhamos deixado os carros. Tínhamos vivido uma bela tarde ... parecendo-me que o regresso daquele outro mundo que é Marrocos e a cordilheira do Atlas já foi há muito, muito tempo ... apesar de ter sido há apenas uma semana.


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