sábado, 28 de fevereiro de 2015

Se as ondas voam com o vento...

Como referi na retrospectiva de "Quarenta anos por fragas e pragas...", o título deste blog foi inspirado por Sebastião Antunes e pela "Quadrilha", via título do seu primeiro álbum ... "Contos de Fragas e Pragas".
Maria Luísa Callixto,
Maio de 1942 (19 anos)
Se, por um lado, as "fragas" são uma alegoria às escarpas e barrocos, às torrentes e ribeiros, aos paraísos onde me perco e dos quais recebo energia ... por outro lado as "pragas" simbolizam as adversidades, como os dez anos em que o destino lançaria nuvens negras sobre a vida do "rapaz pacato" que um dia começou a escrever estes "instantâneos de uma vida ao ar livre", aos quais me referi no início do artigo "O vento das Cíes" e de outros que se lhe seguiram.
Vem isto a propósito da "praga" que o destino lançou sobre o mês de Fevereiro deste "ano da graça" de 2015 ... mês que agora terminou! Com a minha "pequena arraiana", fomos para Vale de Espinho no dia 6, para receber os Caminheiros nos dias 7 e 8; ela, contudo, "engripa" e vê-se impedida de participar nas caminhadas, como referi no artigo anterior. Dois dias depois ... parto a cabeça em casa, lá, na "minha" Vale de Espinho; de INEM para a Guarda, a cabeça é cosida. Mais dois dias ... e temos de voltar ao Centro de Saúde: afinal a filha das terras de Ribacoa precisa de antibiótico ... mas dia 15 regressamos ao Hospital da Guarda, por manifesta alergia ao antibiótico e vómitos consecutivos! Depois disto ... resolvemos bater em retirada; as nossas terras raianas, desta vez, decididamente não nos queriam...L. Dia 20 retiro os pontos da cabeça partida ... mas dia 21 a neta mais velha é internada com uma virose gástrica; tem alta no dia seguinte ... mas dia 23 (5 anitos da irmã) é reinternada. No mesmo dia em que sai, finalmente restabelecida ... é internada de urgência a minha mãe, que, do alto dos seus quase 92 anos ... se despede da vida terrena no dia 25! Como escreveu e tão bem canta Amancio Prada ... "Xa morreu a miña nai "...
Em Abril de 2003, com os meus dois filhos, uma irmã e aquela que o acompanhou durante 51 anos de uma vida de casal, que se comemoravam naquele fatídico dia 28 ... assisti aos últimos suspiros de vida do meu saudoso sogro. Agora ... quase assisti à separação do corpo e da alma de minha mãe!

6 de Abril de 1951 (28 anos)
Um sonho!

Tive um sonho feliz
esta madrugada;
Não sei se a dormir
ou se estava acordada.
Foi um sonho belo
que me satisfez.
Mas ao acordar,
logo se desfez.
Certamente dormia,
não me lembro de nada.
Só sei que sonhei;
Estava muito animada.
Era agradável
aquilo que sonhara.
Mas vi, ao acordar
6 de Abril de 2014 (91 anos)
não ser o que pensara.
Se a realidade
me faz sofrer e chorar...
Quero fechar os meus olhos
e voltar a sonhar.

Maria Luísa Leitão Callixto,   
in Jornal da Amadora, 14 de Abril de 2005    
Amadora, 12 de Janeiro de 2015,
nos 90 anos do seu eterno amor
                                      Na madrugada do fatídico dia 25 ainda a vi com vida, no leito do hospital para onde a levara de urgência na véspera; estava, curiosamente - ou talvez não - mais consciente do que quando a deixara horas antes. Depois, poucos minutos após as onze da manhã, despediu-se do filho e do neto que ainda lhe faltava ver ... e partiu, serenamente ... como tanto queria.
A minha mãe nunca foi caminheira, nunca galgou fragas ... mas admirava as minhas "aventuras", desde os velhos tempos da espeleologia, do mergulho amador, dos acampamentos ... das léguas sem fim ... da minha paixão pela vida ao ar livre. Muitas vezes me dizia ... "tu tens feito na vida tudo aquilo que eu gostava de ter feito"...
No frio do seu derradeiro leito, durante a pequena cerimónia de Celebração da Palavra, dois dias depois ... nunca a palavra de Torga se me tinha revelado tão presente. Foi com emoção que a declamei...

Santa Cruz, sobre a Praia Formosa, 27.Fev.2015
            Mãe:
            Que desgraça na vida aconteceu,
            Que ficaste insensível e gelada?
            Que todo o teu perfil se endureceu
            Numa linha severa e desenhada?
            Como as estátuas, que são gente nossa
            Cansada de palavras e ternura,
            Assim tu me pareces no teu leito.
            Presença cinzelada em pedra dura,
            Que não tem coração dentro do peito.
            Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
            Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
            Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
            Por detrás do terror deste vazio.
            Mãe:
            Abre os olhos ao menos, diz que sim!
            Diz que me vês ainda, que me queres.
            Que és a eterna mulher entre as mulheres.
            Que nem a morte te afastou de mim!

        Miguel Torga, 'Diário IV'       

Por vontade expressa de minha mãe, o corpo foi cremado ... e as cinzas fizeram a sua última viagem. De tantas viagens que fez com meu pai, ao longo de uma vida recheada, na viagem por terra de Lisboa à Praia de Santa Cruz ... levei-a ao meu colo. Como os papéis se invertem, nesta vida!...

Praia FormosaSanta Cruz ... a "minha" praia ... a praia da minha infância ... a praia de tantas "aventuras"...
    Gosto de ver o mar
Penedo do Guincho ... Santuário natural...
Gosto de te ver, ó mar!
Estejas bravo ou estejas manso,
Não me farto de te olhar,
Em ti meus olhos descanso.

Vejo-te com quatro cores,
Como não vi vez nenhuma,
Azul, verde, acinzentado,
Junto à areia, a branca espuma.

As gaivotas em teu redor,
Que muito baixo voavam,
Penso, p’ra chegar melhor
Aos peixes que ali andavam.

Este espectáculo sem par
Que me encanta e seduz,                                        Maria Luísa Callixto,
Foi-me dado admirar...                              ("Badaladas", 21 de Fevereiro de 2003)
Na praia de Santa Cruz.
"Se as ondas voam com o vento"... (Sebastião Antunes, "Deixa Que Aconteça", 2006)
Estava uma tarde soalheira e ventosa. As ondas esbatiam-se naqueles rochedos que me viram crescer, que conhecem parte de mim, parte da minha mãe, do meu pai, dos pais do meu pai, do meu saudoso Tio Carlos, do meu irmão, dos meus filhos, dos meus netos...; lá estava, junto à areia, a branca espuma...! Como se para uma caminhada fosse, para uma das minhas muitas "aventuras", com a minha "farda" e o meu bastão de caminheiro, entrei "mar adentro" ... e levei a minha mãe à sua última viagem, ao último cruzeiro dos tantos que fez com meu pai, com o amor da sua vida.

"O mar estava bravo e o vento zumbia. Parecia-me uivar, tal a ventania.
E a espuma do mar no ar se perdia." (Maria Luísa Callixto)
"Boa viagem, minha querida Maria Luísa "
Nesta última viagem terrena, acompanharam-me naturalmente o meu irmão, os meus dois filhos, os meus dois sobrinhos ... e o meu pai, que do alto dos seus recentes 90 anos não conseguiu deixar de acompanhar também a sua muito querida Maria Luísa às águas do oceano em que tantas vezes navegaram ... às águas do oceano que me vieram beijar e cobrir as botas com que fiz esta caminhada ... as mesmas botas que me levaram de Braga a Santiago de Compostela e a Fisterra, às terras do fim do mundo!
Foz do Douro, cerca das 17:00h ...
... um mar que une mais do que separa ...
Nesta última viagem terrena da minha mãe, acompanharam-me também dois grandes amigos, dois companheiros de "aventuras" que, mais do que amigos ... são meus irmãos! Irmãos que, se existe algo superior a nós, algo ou alguém colocou no meu caminho, no nosso Caminho, um Caminho das Estrelas, ou guiado pelas estrelas! À mesma hora, 300 km a norte, outro irmão acompanhava-nos simbolicamente no mesmo mar, um mar que contém memórias, lágrimas, alegrias ... um mar que une mais do que separa! Um pouco mais cedo, outra irmã fez a sua oração também 300 km a norte, numa capelinha junto ao mar. Quanto à minha irmãzinha mais nova, à irmã que o Caminho de Santiago também me deu ... ainda agora sinto a força do abraço que me deu e da energia que me transmitiu de manhã, ainda na Capela onde a minha mãe jazia no seu "leito", "insensível e gelada". À tarde, na despedida ... a minha irmãzinha estava no meu bolso, bem apertada na minha mão, sob a forma da pedrinha que me deu no Cabo Fisterra, no "fim do Caminho" ... e que me tem passado a acompanhar, a proteger e a dar-me força em todas as minhas caminhadas e "aventuras". A minha Mãe tinha - e eu disse-lho - ... mais filhos do que pensava...

Santa Cruz, 27 de Fevereiro de 2015, 18:00h - Até à eternidade...
Boborás, Galiza, 10 de Julho de 2014, pouco passava das onze da manhã, durante o nosso "Caminho da Aventura". Nestes dias em que perdi a minha mãe ... não me tem saído do pensamento a imagem daquela humilde aldeã que, não nos conhecendo mas vendo-nos com as mochilas, as cabaças e as vieiras, nos veio pedir para rezarmos pela sua mãe: "Ai que perdín miña nai. Recen por ela en Santiago"! Espero, um dia ... rezar pela miña nai em Santiago.
Nunca soube nem sei exactamente em que acredito, mas acredito que a vida e a morte são apenas etapas ... a dela chegou ao fim. Teve a vida e a morte que quis. E seguramente que a Vida é Bela! Seguramente que a vida da minha mãe "Valeu a pena ... mesmo que o fim da história seja aqui ".

domingo, 8 de fevereiro de 2015

De Vilar Maior a Vale de Espinho
30 km ... nos 30 anos dos Caminheiros Gaspar Correia

Nas minhas "fragas e pragas" de mais de 40 anos, só comecei a seguir os trilhos dos Caminheiros Gaspar Correia em Outubro de 2002 ... com muita pena minha de não ter entrado mais cedo para esta "família".
Criado em Março de 1985, o grupo completa portanto este ano 30 anos ... e o mais relevante é que, pelo menos uma meia dúzia de carolas que o fundaram e participaram nas primeiras caminhadas ... continuam, 30 anos depois, a palmilhar as serras e os vales deste nosso Portugal e não só! Ora, a comemorar o 30º aniversário, o grupo decidiu que todas as actividades do ano de 2015 deveriam ter uma característica de algum modo relacionada com o número 30. Sendo eu o responsável pela actividade de Fevereiro ... porque não uma caminhada de 30 km ... nas "minhas" terras de Vale de Espinho, nas terras transcudanas?...J
Vilar Maior, 7.02, 12:00h - Vai começar a caminhada transcudana
Tanto nas actividades mensais do grupo como nalgumas extra, já os havia trazido à Raia por diversas vezes, pelo que havia que escolher uma zona e um percurso diferente de qualquer dos anteriores. E foi assim com expectativa e satisfação que aceitaram a proposta de uma travessia linear, de norte para sul, através da Raia Transcudana, entre a aldeia histórica de Vilar Maior e Vale de Espinho.
Como 30 km seria uma jornada dura para muitos dos participantes (orgulhamo-nos de contar com vários septuagenários...), a "aventura" seria efectuada, como foi, em duas "etapas", pernoitando próximo da também histórica vila de Alfaiates. Para além do simbolismo do número 30, os temas desta actividade foram portanto a história, a ruralidade das aldeias e dos campos atravessados, a Natureza no seu esplendor, particularmente nos troços ao longo da Ribeira de Alfaiates, que acompanhámos em grande parte. Mas outro tema era e foi também ... o frio; tal como as previsões apontavam, ao longo de todo o percurso dos dois dias, a temperatura oscilou entre os 3 graus abaixo de zero e os 4 positivos...J.
Já que a intenção é permanecer no "retiro" de Vale de Espinho até depois do Carnaval, o autor destas "fragas" e a sua "pequena arraiana", ela sim filha biológica destas terras, viemos um dia antes do resto do grupo, sexta feira. Com algumas dúvidas num pequeno troço entre o "abrigo" onde seria a pernoita e a barragem de Alfaiates, na própria sexta feira ainda por ali percorri 3 km a procurar e a "desenhar" essa ligação. Sábado, ambos receberíamos o grupo no Sabugal. Mas como as fragas do destino por vezes também rogam pragas ... uma tosse persistente da minha arraiana transformou-se na gripe que este ano tanta gente tem assolado. Só este "filho adoptivo" das terras da Raia comandou portanto as "tropas" Caminheiras, ficando a filha biológica no resguardo da sua Vale de Espinho.
Depois de uma longa e monótona viagem de quase 5 horas de autocarro, desde a grande urbe, a "aventura" só começou pouco antes do meio dia de sábado, em Vilar Maior; como previsto, juntei-me ao grupo no Sabugal. Vilar Maior foi vila e sede de concelho entre 1296 e 1855, mas acredita-se que a primitiva ocupação humana do seu sítio possa remontar a um castro pré-romano, a uma fortificação romana, ou mesmo muçulmana. Integrante do território de Ribacôa, disputado a Leão por D. Dinis, este soberano passou foral à povoação em 17 de Novembro de 1296; a sua posse definitiva para Portugal, entretanto, só foi assegurada pelo Tratado de Alcanices (1297).

Castelo de Vilar Maior
Em Vilar Maior, a caminhada começou pela subida às ruínas da Igreja de Santa Maria e ao histórico Castelo, de onde se domina o vale do Rio Cesarão. Percebe-se também, a poente, o vale da Ribeira de Alfaiates, e a norte, ao fundo, o vale do grande Rio Sagrado para o qual as águas correm: o Cuda ... ou Côa. Já no regresso do Castelo, a Igreja Matriz, ou de S. Pedro, mereceu também uma visita, graças à disponibilidade imediata do seu guardião.

Ruínas da Igreja de Santa Maria do Castelo, Vilar Maior
Acesso ao Castelo de Vilar Maior
Os grifos sobrevoam
o vale do Cesarão
O almoço foi junto às margens do Cesarão, próximo de outro ex-libris, a vulgarmente chamada Ponte Romana de Vilar Maior; o monumento data contudo provavelmente da época medieval, ou terá sido reconstruído, sequencialmente, nos séculos XIII e XIV, podendo ter por base uma construção anterior. Durante o almoço ... o grupo foi testemunha mais uma vez da hospitalidade e do modo de ser raiano: vendo-nos por ali a almoçar, ao ar livre, com aquele estranho "calor" de uma temperatura próxima dos zero graus ... um simpático aldeão dirigiu-se-nos com um garrafão de um saboroso néctar de uva ... inclusive trazendo copos ... distribuindo por todos quantos quiseram "aquecer" um pouco para a jornada que se seguiria. Aqui fica o nosso muito obrigado à gentileza daquele simpático aldeão. É assim a Alma arraiana!

Ponte medieval sobre o Rio Cesarão
O adeus a Vilar Maior
E a jornada prosseguiu então pelos velhos caminhos rurais entre Vilar Maior e a aldeia do Escabralhado. Ainda com o Castelo de Vilar Maior à vista e pouco a montante do Cesarão ... um pequeno "incidente" ficou para a história deste dia: embora comunicando-nos por rádio entre a frente e a cauda do grupo, a certa altura pareceu-nos ver, mais abaixo e mais perto do rio, um pequeno grupo de "outros" caminheiros. Uns bons 2 km mais à frente, contudo ... a "cauda" dos nossos caminheiros não respondia ... e só então constatámos que os "outros" ... eram nossos! O "pelotão" parou, portanto ... este "comandante" das tropas foi andando para trás, os rádios lá entraram em contacto ... e todos concluímos que aqueles 9 intrépidos desbravadores de outros caminhos tinham ido desbravar trilhos mais próximos do velho Cesarão; já estavam ... a mais de 5 km do grupo. Eu ... fiz mais 4 km de ida e volta até ao cruzamento de caminhos onde tinham seguido em frente; os desbravadores de novos trilhos ... fizeram uns 7 km a mais!


Pouco depois deste ponto ... houve 9 "tresmalhados" ...
... mas depois lá se reuniram as tropas...J
Uma hora depois ... estávamos de novo todos reunidos ... com alguns dos que haviam ficado parados quase enregelados. O frio era o anunciado, mas o dia, contrariamente ao previsto, continuou sempre de um cinzento carregado, aquele cinzento a que na raia se costuma chamar o "ar de neve" ... que se concretizou sob a forma de pequeníssimos e leves farrapos. São estas estórias que fazem a história das nossas "aventuras"...J
Às três da tarde - mais de uma hora depois do que havia previsto - estávamos a entrar na aldeia com o curioso nome de Escabralhado, onde igualmente havia passado na minha "maratona pelas aldeias da raia", em Maio passado. Aldeia quase fantasma, onde nessa altura tinha visto uma única habitante, com as suas cabras, desta vez vimos três aldeãs ... a evidenciarem a necessidade de comunicarem com os mais de 40 forasteiros que, por momentos, aumentaram a população da aldeia.

Entrada em Escabralhado
De Escabralhado descemos à Ribeira de Alfaiates ... e que belas imagens ribeirinhas foram saciando a nossa sede de as descobrir. Mais uma hora e estávamos na Rebolosa. Com 9,6 km percorridos desde Vilar Maior, parte do grupo preferiu neutralizar junto à igreja matriz e ao café ... o que permitiu aos restantes recuperar, a partir dali, grande parte do atraso motivado pelo "incidente" dos 9 "desbravadores"...J.

Descida para a Ribeira de Alfaiates
Ribeira de Alfaiates, entre Escabralhado e Rebolosa
De novo maioritariamente ao longo da Ribeira de Alfaiates, os quase 5 km da Rebolosa a Alfaiates foram feitos numa hora. Às cinco da tarde estávamos assim a entrar na histórica vila, pela Igreja de S. Miguel.
Vila riquíssima em história, Alfaiates é ainda hoje terra soberba, mátria de corajosas gentes e lugar de riquezas naturais e arquitectónicas. As marcas do tempo estão em cada dobrar de esquina, mau grado a perca dos avultados testemunhos de outrora. Séquitos de dois reinos ali foram em cortejo, rente à provecta Igreja de São Sebastião, hoje da Misericórdia, para aí se proceder a nobre enlace. A formosíssima Infanta Maria, filha de D. Afonso IV e neta de D. Dinis, casava com El Rei Afonso XI de Castela; corria o ano de 1327 e ainda apenas haviam passado três décadas sobre o Tratado de Alcanices, que de Riba Côa fez solo português. Houve festa de arromba, a selar o elo real que deixava promissor o relacionamento entre os dois reinos.
Alfaiates à vista
No portal da Igreja Matriz de Alfaiates ... não falta a vieira de Santiago. E dela seguimos caminho para as ruínas do Castelo, onde a incúria deixou levar uma das fortalezas mais preciosas que houve em RibaCôa, onde o poeta e heróico governador daquela praça, Brás Garcia de Mascarenhas, assentou arraiais e congeminou investidas para afugentar ocasionais invasores.
Igreja de São Sebastião, ou da Misericórdia, Alfaiates
Castelo de Alfaiates
Quase às cinco e meia da tarde, com o cinzento do dia a declinar, 16 heróicos resistentes optaram por manter viva a chama de chegar a pé ao nosso "refúgio" de pernoita; os restantes ... foram recolhidos pelo (auto)"carro vassoura"...J. E o "refúgio" ... foi a Residencial e Hostal "Pelicano", à qual chegámos pelo velho caminho rural que cruza a Ribeira de Alfaiates e segue parcialmente ao longo do seu afluente Ribeiro da Balsa. Gerida por um simpatiquíssimo casal, o "Pelicano" foi igualmente o local da habitual e original festa de Carnaval da "família" Caminheira Gaspar Correia...J

Travessia da
Ribeira de Alfaiates
E se a primeira "etapa" destes 30 km comemorativos dos 30 anos do grupo terminaram à porta do "Pelicano" ... a segunda "etapa" à porta começou, às 9 horas da manhã ... com três graus abaixo de zero! Atravessados os campos entre a estrada da Nave e a do Soito, uma vez cruzada esta última dirigimo-nos à barragem de Alfaiates ... na Ribeira de Alfaiates. O carvalhal "mágico" que a bordeja, até aos Moinhos do Janadão e aos campos de Pevide, pôs todos a sonhar com os duendes e as fadas que pareciam querer brotar das folhas que pisávamos, dos líquenes que pareciam rendas nos ramos dos carvalhos, das águas da ribeira. Numa manhã de novo cinzenta e gélida, até o estalar da lama congelada que pisávamos nos parecia transportar para algum reino fantasmagórico...

8.Fev., 9:15h - Tinha começado a segunda etapa da travessia ... com 3ºC abaixo de zero...
Ao longo das margens da Ribeira de Alfaiates ... e do seu carvalhal "mágico"...
Às dez e meia da manhã estávamos no Soito, junto ao Cruzeiro de S. Brás. Faltava a Malhada Alta, a encosta sul da Serra do Homem de Pedra, os mil metros de altitude do ponto mais alto desta travessia. A manhã continuava cinzenta ... e o que nos esperava na serra era completamente fabuloso e mágico!

Soito ...
... e subida à encosta sul da Serra do Homem de Pedra
As copas das árvores ... foram pintadas de branco...
Mais uma vez ... a Natureza brinda-nos com magia em estado puro!
Da Malhada Alta descemos aos Urejais, dos Urejais subimos à Có Pequena ... e na Có Pequena estávamos a dois quilómetros do final desta fabulosa travessia. Pelo "meu" velho caminho do Areeiro ... poucos minutos antes da uma da tarde estávamos no largo das velhas Eiras ... na "minha" Vale de Espinho! Tínhamos completado quase 14 km desde o "Pelicano" ... exactamente 30 km desde Vilar Maior! A primeira coisa que fiz foi vir ao encontro da "pequena arraiana" engripada; a "praga" infelizmente continuava, recomendando uma visita ao Centro de Saúde e uma consulta cuidada ... que felizmente revelou tratar-se de um "ataque terrorista" do vírus que este ano se instalou em tantos hospedeiros!

Sobre o vale dos Urejais
Chegada ao cruzeiro da
Có Pequena ... apetece-me voar...!
Dez minutos antes das 13h, com 14 km feitos desde Alfaiates e 30 desde Vilar Maior ... entramos em Vale de Espinho
Mas o fim de semana não terminou ... sem um belo almoço na TrutalCôa. Tínhamos seguido e cruzado o Cesarão, a Ribeira de Alfaiates, a Ribeira dos Urejais ... não podíamos deixar de almoçar debruçados sobre o Côa, no qual todos eles vertem as suas águas ... e onde me faltava levar a "família" Gaspar Correia, das várias vezes que degustaram as especialidades das "minhas" terras de RibaCôa...J. E, não sei porquê, sabendo que o que lhes preparei, com gosto, esmero e amizade, das várias vezes que os trouxe à Raia, foi sempre do seu agrado e encanto ... fiquei com a sensação agradável ... que esta talvez tenha sido, até, aquela de que globalmente mais gostaram! Se não estiver enganado ... esse é o maior e melhor prémio para o empenho que sempre ponho no que faço ... para quem gosto de o fazer! Bem hajam, amigos e companheiros dos Caminheiros Gaspar Correia!

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