domingo, 25 de janeiro de 2015

Marão: na porta de um reino maravilhoso!

"Vou falar-lhes dum Reino Maravilhoso. ......
Vê-se primeiro um mar de pedras.
Vagas e vagas sideradas, hirtas e hostis, contidas na sua força desmedida pela mão inexorável dum Deus criador e dominador. Tudo parado e mudo. Apenas se move e se faz ouvir o coração no peito, inquieto, a anunciar o começo duma grande hora. De repente, rasga a crosta do silêncio uma voz de franqueza desembainhada:
- Para cá do Marão, mandam os que cá estão!...
"
(Miguel Torga, "Um Reino Maravilhoso")
A caminho do final de um mês de Janeiro frio e agreste, um grupo de apaixonados da montanha juntaram-se ... na porta daquele reino maravilhoso. Tal como em Novembro na Serra Amarela, o desafio foi lançado por um dos irmãos do meu "Caminho da Aventura" ... e neste fim de semana de Sol depois de dias de chuva e neve ... vivi (vivemos) mais dois dos mais fabulosos dias da minha vida!...
Para cá do Marão ... mandam os que cá estão!...J
Próximo de S. João de Lobrigos, 25.Jan.2015 (Foto: Cristina Ferreira)
Como tantas vezes tenho escrito, a paixão pela montanha, a necessidade de abraçar os grandes espaços, os vales, as montanhas, os rios … traz também outros dos melhores sabores da vida: a amizade, a camaradagem, o companheirismo ... o dar largas à criança que, afinal, continua a viver em cada um de nós ... felizmente! Dos 14 que partilhámos e vivemos este fabuloso fim de semana, não conhecia quatro ... mas ao fim de "5 minutos" todos éramos "família"...J
Sexta feira à noite, os "aventureiros" deste inesquecível fim de semana estavam reunidos no Albergue de Bertelo, pequena aldeia "perdida" na encosta leste da Serra do Marão. Pertencente à Câmara de Santa Marta de Penaguião, o Albergue de Bertelo ... é Albergue de Santiago! É verdade ... passa por aqui o Caminho Português do Interior!...

Srª do Viso, S.ta Marta de Penaguião, 24.Jan.2015
- São 7:45h ... e vai começar um dia mágico!
Sábado 24: Pelos picos do Marão...
A actividade envolvia duas caminhadas ambiciosas: no sábado, partindo da capelinha da Srª do Viso, o objectivo era subir a Serra até ao cume, descer das alturas do Penedo Ruivo ao vale do Rio Teixeira, voltar a subir aos Seixinhos e à Fraga da Ermida ... para regressar ao ponto de origem. Sabíamos que ia ser uma jornada dura...; o desnível acumulado ... rondaria os 1900 metros, nuns previsíveis cerca de 25 km!

Vales mágicos, numa manhã mágica...
Rumo ... aos
picos do Marão!
A Srª do Viso situa-se a pouco mais de 700 metros de altitude. Tínhamos mais de 700 metros de desnível para subir até à Srª da Serra, nos 1416 metros do cume ... à medida que se iam abrindo os horizontes, qual "excesso de natureza", que de novo nos transporta para o Reino Maravilhoso de Torga,  para as "passadas de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor, pintor ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis da visão."...

Do nevoeiro nos vales chegámos às neves ... a caminho do Cume
Um pouco menos de três horas depois de partirmos, estávamos no geodésico do Marão, junto à pequena Ermida da Srª da Serra. O frio cortava, mas o azul esplendoroso dos céus e a panorâmica a toda a volta sublimava aquela temperatura muito próxima dos zero graus ... provavelmente menos. Estávamos verdadeiramente ... num "universo virginal, como se tivesse acabado de nascer...."

Senhora da Serra, cume do Marão (1416m alt.)
A progressão era agora para sudoeste, descendo à cumeada do Penedo Ruivo ... e aos pouco mais de 700 metros do vale do Rio de Teixeira e da pequena aldeia com o curioso topónimo de Mafômedes.
À medida que descíamos ... íamos olhando para a encosta que teríamos que subir do outro lado...J

Descida para o Penedo Ruivo ...
... para o vale do Rio Teixeira ...
... e para Mafômedes
Pertencente ao Concelho de Baião, Mafômedes parece, por um lado, uma aldeia perdida no tempo e no espaço, encaixada no fundo de um profundo vale aberto pelo Rio de Teixeira. Por outro lado, a existência de um Albergue e de um Restaurante convida a uma visita e estadia num paraíso ... afastado do mundo!
E de Mafômedes ... tínhamos de subir de novo a encosta leste, para a crista dos Seixinhos...

Passado o Rio de Teixeira ...
... seguiu-se uma penosa subida, para os quase 1300 metros de altitude dos Seixinhos
Da cumeada de Seixinhos, víamos agora Mafômedes lá bem no fundo do vale. Os músculos lá repousaram durante uma meia hora de bom andamento ... até se nos apresentar pela frente nova íngreme subida, para a Fraga da Ermida, quase a 1400 metros de altitude.

Ao longo da cumeada dos Seixinhos ... até à Fraga da Ermida
De novo à vista do cume do Marão, a Fraga da Ermida é um daqueles lugares mágicos onde nos apetece fazer parar o tempo ... "pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta."   (Miguel Torga, "Diário XII")

Fraga da Ermida ... e estamos de novo próximo do Cume do Marão
Panorâmica da Fraga da Ermida: ao fundo à esquerda, o viaduto do Corgo e a cidade de Vila Real
Cai
neve...J
Fraga da Ermida: um último olhar sobre o Reino Maravilhoso ... (Foto: Cristina Ferreira)
... mas tínhamos que regressar!
Poucos minutos faltavam para as cinco da tarde. Tínhamos agora de ir ao encontro do percurso por onde havíamos subido de manhã ... nada fácil ... antes que o Sol se pusesse, para cá do Reino Maravilhoso. E foi já com a Lua no céu e nas sombras do final do dia que procurámos um percurso menos perigoso, na descida, evitando as fragas escorregadias ... que poderiam transformar-se em pragas...

Há que descer
enquanto há luz...
17:35h ... o Sol já desapareceu ...
... a Lua já nasceu ...
... e os últimos 5 km foram de caminhada nocturna...
Chegados ao estradão inicial em dois grupos, a preocupação pela noite já deixava de o ser; estávamos em terreno seguro. E passava já das seis e meia de uma tarde que nesta altura é noite, quando chegámos aos carros, na "abençoada" Srª do Viso. 28 km de montanha nos pés e nas pernas ... cerca de 1900 metros de desnível acumulado ... e no dia seguinte havia mais...J.


Regressados ao Albergue de Bertelo ... o jantar foi confeccionado por dois dos presentes, como já o havia sido na Serra Amarela. Caminhar não é só andar, subir e descer montanhas; caminhar também é convívio, camaradagem, brincadeira ... também é Viver!

Domingo 25Pelas escarpas e linha do Corgo...
Para segundo dia deste fabuloso fim de semana, o projecto tinha por tema central o Rio Corgo, as suas encostas escarpadas e parte do traçado da velha linha que ligava a Régua a Vila Real e a Chaves.

25 de Janeiro, 8:00h ... esta era a visão matinal, à porta do "nosso" Albergue de Bertelo, Sta Marta de Penaguião

Novo dia esplendoroso nos esperava para a segunda jornada ... mas primeiro foi preciso "descongelar" os carros...J. Iriam descansar junto à Igreja de S. João de Lobrigos, onde começava e acabava a nossa descoberta das escarpas do Corgo.

Os carros estavam "congelados" (Foto: Cristina Ferreira)
Temperatura ... -1ºC
S. João de Lobrigos, 9:00h ... e vai começar outra bela jornada pedestre
De S. João de Lobrigos, começámos por subir à Ermida de S. Pedro ... mais uma vez no Caminho Português do Interior! Pode ser que ali volte a passar dentro de uns meses...

Panorâmica sobre a Serra do Marão, próximo da Ermida de S. Pedro (Foto: Cristina Ferreira)
Da Ermida de S. Pedro, descemos para a margem direita do Corgo. O objectivo era acompanhar as escarpas, os socalcos das vinhas, ou a beira-rio ... mas a passagem veio a revelar-se intransponível. Houve que voltar a subir alguns dos socalcos; as preciosas indicações de um vinhateiro colocaram-nos enfim no bom caminho, passando próximo das Quintas de Romarigo e de Campanhã, para enfim chegar à margem e atravessar o Corgo pela ponte rodoviária de Firveda, na EN 313.

Descida dos socalcos vinhateiros, na margem direita do Corgo
Rio Corgo
Mas ... a progressão é impossível...
Agora sim, no bom caminho!
Ponte de Firveda (EN 313), sobre o Corgo
Cruzado o Corgo, entrámos quase de seguida no percurso da velha linha férrea desactivada ... como tantas outras. Já nem os carris existem; restam os "fantasmas" das estações. E fizemos quase 5 km ao longo daquela ex-Linha do Corgo, de Firveda a Alvações do Corgo, num autêntico desbobinar de cantos e recantos da indescritível beleza de um paraíso ribeirinho.

Linha do Corgo, entre Firveda e Alvações: quando caminhamos de maravilha em maravilha!
Cruzado de novo o Corgo junto à Estação de Alvações, estávamos sensivelmente a uma hora do ponto de início e de fim da caminhada. Faltava-nos ... a subida final para S. João de Lobrigos.

Através dos vinhedos da margem direita do Corgo, a caminho de S. João de Lobrigos
E ... não é uma miragem. É mesmo a Igreja de S. João de Lobrigos, onde os carrinhos nos esperavam...
Às duas da tarde dávamos por findas as actividades pedestres deste fabuloso fim de semana. Os músculos acusavam mais estes 16 km, com mais de 900 metros de desnível acumulado. No total dos dois dias tínhamos palmilhado 44 km ... e subido e descido, número redondos ... quase 2800 metros! Bem merecíamos, portanto ... o almoço com que encerrámos a extraordinária camaradagem que se gerou entre todos, na Portela de S. Gonçalo. Obrigado, a todos, por este magnífico fim de semana!


Adega Regional Beça, Portela de S. Gonçalo. E assim
terminou uma dura mas fabulosa actividade montanheira!
Marão: na porta de um reino maravilhoso!