domingo, 21 de abril de 2013

Pelos campos e aldeias do Concelho de Idanha-a-Nova

"A todos um grande Bem-Haja pela vossa presença
 em Oledo, aldeia das minhas origens, que a tanto
 quero como se tivesse sido o meu berço.
"
(José Baleiras)
Depois da longa "peregrinação" a solo do dia 19, com que quis comemorar os 40 anos da minha ligação a Vale de Espinho, fui "recolhido" em Penha Garcia por um grupo de amigos com quem estava combinado participar, no sábado e domingo, em mais duas jornadas pedestres pelos belos campos de Idanha; nos três dias … palmilhei mais de 80 km... J.
Para além da beleza dos trilhos, percorridos em excelente companhia, estes dois dias tiveram a particularidade de a iniciativa ter partido de um descendente das terras de Oledo, aldeia do concelho de Idanha-a-Nova, aldeia que nos deu guarida pelas duas noites. Agora, terminada a actividade, permito-me transcrever o agradecimento dele, na legenda da foto que o ilustra como nosso timoneiro.
Obrigado Zé Baleiras. Como eu te compreendo...!
Foram dois dias de um permanente poema vivo, um poema de cores, de cheiros campestres, mas também um hino à alegria, à  sã  camaradagem  entre  todos  os
Acomodações, no palco da Casa do Povo de Oledo... J
participantes, às amizades ainda recentes, mas já cheias de partilha, de momentos, de vivências, de comunhão, de enriquecimento. Como já tenho dito ao descrever "aventuras" anteriores ... às vezes sinto que voltei aos meus 17 ou 18 anos, às "maluqueiras" vividas entre amigos, percorrendo montes e vales, planícies e rios, em silêncio ou ao som de velhas baladas, dormindo em palheiros, ao relento, em tendas armadas no alto de serras ou no meio de matas luxuriantes ... ou no palco da Casa do Povo de Oledo... J.

Sábado, 20 de Abril: Travessia do Concelho de Idanha-a-Nova

Em Oledo (no meu caso após a longa travessia de Vale de Espinho a Penha Garcia), o despertar no sábado foi cedinho, já que nos esperava uma grande rota que nos levaria da Barragem Marechal Carmona às aldeias históricas de Idanha-a-Velha e Monsanto e de Monsanto a Penha Garcia e à garganta do Ponsul. Um percurso de cerca de 35 km, preparado com todo o rigor e dedicação pelo nosso timoneiro e pelos outros dois amigos que o ajudaram nos reconhecimentos.
Barragem Marechal Carmona, Rio Ponsul, Idanha-a-Nova, 20.04.2013
Ao longo da Ribeira das Fragas, afluente do Ponsul
Ao longo da barragem e subindo depois o curso da Ribeira das Fragas, logo se nos começou a desbobinar um cenário de panorâmicas fabulosas, com os campos a revelarem bem a Primavera que se seguiu a um rigoroso e bem regado Inverno.

E Monsanto já no horizonte
Pouco antes de Idanha-a-Velha atravessámos o Ponsul, por velhas poldras que já viram passar muitos viandantes. Depois, foi a visita à velha Egitania, onde todas as pedras transpiram história, dos romanos aos visigodos.

Travessia do Ponsul, junto a Idanha-a-Velha
Idanha-a-Velha, onde todas as pedras revelam história
Ponte romana sobre o Ponsul, Idanha-a-Velha
E seguimos ao longo dos
belos campos de Idanha
E de Idanha seguimos para Monsanto, descendo ao Carroqueiro e voltando a subir à Capela românica de S. Pedro de Vira Corça. De acordo com a tradição, naquele lugar habitava um eremita, que escolhera aquele lugar para se refugiar do mundo. Este religioso, que há muito vivia na gruta perto do campanário, encontrou um dia um recém-nascido abandonado; sem nada para poder dar de comer à criança, pediu auxílio a Deus. Nesse momento surgiu então no local uma corça que amamentou a criança várias vezes ao dia, até ela poder alimentar-se de frutos e ervas, a mesma dieta seguida pelo eremita.

Capela românica de S. Pedro de Vira Corça, ou de Vir-à-Corça
O nosso grande líder, no campanário
sem sino de Vir-à-Corça
Na Capela de Vira Corça estávamos quase às portas de Monsanto, aquela que já foi considerada a aldeia mais portuguesa de Portugal. E, claro, subimos ao Castelo, dominando toda a vasta região em redor, das Serras da Gardunha e da Estrela ... ao "meu" Xalmas.

Entramos em Monsanto
Ao fundo, imponente ... o Xalmas
No Castelo de Monsanto, a aldeia "mais portuguesa de Portugal"
De Monsanto a Penha Garcia voltámos a cruzar o Ponsul por duas vezes ... uma delas com alguma ajuda motora para alguns... J. A sul do Ponsul, a Ermida de Nossa Senhora da Azenha deu-nos um breve descanso, antes da "etapa" final.

Penha Garcia à vista
"Nª Srª da Azenha / E à vossa porta cheguei / Que teus olhos
me acompanhem / E como vi passadas dei " (Dazkarieh)
Travessia do Ponsul ... mas nem
todos quiseram molhar os pés...
Penha Garcia, na Rota dos Fósseis, subindo a Garganta do Ponsul
Pouco depois das cinco e meia da tarde estávamos a entrar em Penha Garcia ... no meu caso pela segunda vez em dois dias seguidos... J. A "rota dos fósseis" não podia deixar de ser incluída no périplo, e foi portanto ao longo das belas cascatas e azenhas do Ponsul que completámos esta fabulosa jornada, subindo ainda ao Castelo que domina as terras de Penha Garcia e Monsanto.

Garganta do Ponsul, Rota dos Fósseis, Penha Garcia, 20.04.2013
Tínhamos completado sensivelmente 35 km. No regresso a Oledo ... esperava-nos um belo jantar de cabrito! E o merecido descanso na Casa do Povo ... até porque as "aventuras" ainda não tinham acabado...
Travessia do Concelho de Idanha
(Álbum completo)


Domingo, 21 de Abril: Pelos campos de Oledo ... nos caminhos do Japone

Para domingo de manhã, o nosso anfitrião tinha-nos reservado uma caminhada mais curta, pelos campos a noroeste da sua amada aldeia de Oledo. Mas este percurso tinha também uma história que nos havia deixado em suspense; dizia ele apenas: "Japone vivia isolado nestas paragens, vamos percorrer alguns dos trilhos que ele utilizava ...vamos contar mais". E assim, pelas nove da manhã, partimos de Oledo ... nos caminhos do Japone. Partimos acompanhados de uma dezena de naturais da aldeia, que quiseram acompanhar esta mais que meritória iniciativa ... de quem tanto lhe quer como se tivesse sido o seu berço! Logo para começar ... começámos pela "quelha" das bruxas"...

Quelha das bruxas ... diz a tradição oral que aqui se encontravam, para dançar, pela uma da madrugada.
Nunca ninguém as viu ... mas alguns caldeiros com a vianda para os porcos foram aventados ... para melhor fugir!
Sem que as bruxas nos tivessem saído ao caminho, atravessámos os belos campos de Oledo, rumo à Ribeira da Caniça e à Tapada da Arcada.

Atravessando os campos de Oledo, rumo à Tapada da Arcada, 21.04.2013
E é então na Tapada da Arcada que encontramos as ruínas de um velho e pequeno casebre, um forno, vestígios de uma ocupação isolada: a Casa do Japone. Verdadeiro ermita, vestindo normalmente longas veste brancas, a sua imagem assustava qualquer um, ficando na memória das gentes de Oledo os encontros com aquela característica figura e a frase passada de boca em boca ... "vem aí o Japone! "

O "refúgio" do Japone, "perdido" e isolado nos campos de Oledo
Do Japone, contudo, só vimos as ruínas do seu pequeno e isolado casebre. Continuando para norte, rumámos ao sítio do Baranco do Velho, onde inflectimos então para sudeste, de novo em direcção ao vale da Caniça e a Oledo.

De regresso ...
... pelos belos campos de Oledo
Travessia da Ribeira da Caniça
Capela do Divino Espírito Santo, Oledo ...
... e um baptismo improvisado... J
A Capela do Divino Espírito Santo deu-nos as boas vindas de regresso à aldeia ... e em Oledo esperava-nos o almoço com que terminaria este fantástico fim de semana!


Num fim de semana a todos os títulos fabuloso, a hora da despedida não podia sê-lo menos: a emoção imperava ... e um declamador nato brindou-nos a todos com um final tão memorável como as restantes sensações vividas.
Um Grande Bem-Haja aos que as puseram de pé, um Grande Bem-Haja a todos quantos viveram e conviveram nesta autêntica festa da amizade e da vida!
Nos caminhos do Japone
(Álbum completo)

"Todo aquele que não ignora as suas raízes, que as desbrava mais fundo, que nelas encontra abrigo e alegria, que as reconhece nos rostos antigos dos conterrâneos, é merecedor do nosso respeito e da amizade que possa albergar esse sentimento nobre que floresce nos campos de um país imenso e que se chama identidade..."
(Luís Miguel Brandão Vendeirinho)

sexta-feira, 19 de abril de 2013

De Vale de Espinho a Penha Garcia (40 km)

Atravessar a Serra da Malcata a solo, assistir ao espectáculo do nascer do Sol no "Crelgo" ou na Marvana, vê-lo levantar-se para lá das Ellas, já não é para mim novidade. Quantas vezes já o fiz? Quantas veredas já trilhei? Que distância já percorri? Não sei ... perdi a conta.
Vale de Espinho, 19,04.2013, 6:20 - "Saio rente ao rio"...
Sexta feira, 19 de Abril, mais uma vez atravessei a Malcata a pé, sozinho. Pela Ladeira Grande desci aos férteis vales de Pesqueiro. Passei a velha Prensa, os "Badagonais", a estrada de Valverde. Voltei a entrar em Portugal onde o Rio Torto se junta ao Bazágueda ... numa travessia "épica". Sempre para sul, contornei a Serra do Ramilo. E pelo Vale Feitoso, a meio da tarde ... cheguei a Penha Garcia.
Porquê esta "peregrinação"? Como recordei no último post ... completaram-se 40 anos que pela primeira vez conheci Vale de Espinho. Coincidindo a data com a véspera de actividades programadas para as terras da Idanha, com outros apaixonados pelas grandes jornadas pedestres, que melhor homenagem poderia prestar a estes 40 anos de ligação à raia ... do que uma longa jornada, completamente sozinho, de ligação das terras do Côa às terras da Idanha? Foi, como sempre, um tempo para meditar, um tempo para medir, para avaliar o que já foi avaliado, um tempo de catarse, de reencontro ... ou de encontro.
As seis da manhã tinham batido há pouco no campanário de Vale de Espinho, quando saí "rente ao rio" ... para subir "ao secreto mundo dos deuses" ... "Ao Teu Encontro".
         Saio rente ao rio e subo ao secreto mundo dos deuses.
         Os sons do casario ainda chegam, esbatidos, à pauta dos sentidos…
         Sei que me esperas…
         Nas pedras nuas oferecidas ao tempo,
         Na cama de urze e musgo ainda orvalhada,
         Nas heras rastejantes e empoleiradas,
         No chão calejado pela neve, pela chuva, pelo sol.
         Sei que me esperas…
         Na brisa que sacode o vento e rasga este véu que me veste,
         Nas árvores que rangem de dor e de prazer,
         Nos carreiros e caminhos por onde se passeiam os segredos.
         Sei que me esperas….

                                                   "Adelaide Graça", "Ao Teu Encontro" (adaptado)
O Sol já raiou...
A Marvana de todos os segredos...
A descida da Ladeira Grande para Pesqueiro, a passagem no que resta da Prensa, tudo naquelas paragens relembra a luta pela vida das gentes de Vale de Espinho. Algumas famílias viviam lá permanentemente, na Florida, nos Badagonais, em Carnicas, desenvolvendo os labores da produção do azeite. Mas o tratar o olival criava ocupação a muito jornaleiro da aldeia: era o lavrar o solo, cortar os fieitos e o mato, limpar as oliveiras, "desmamoar", varejar a azeitona por grupos de homens, a apanha por ranchos de mulheres e o transporte nos animais para a Prensa. Em Dezembro, Vale de Espinho ficava despovoado de mocidade e não só; todos partiam para a apanha da azeitona, permanecendo e pernoitando em Pesqueiro por cerca de um mês! Ainda hoje muitos Valespinhenses têm propriedades em Pesqueiro.

Vinha mesmo de Portugal...
Em Pesqueiro, terra de tantas labutas, de tantas recordações
Na velha Prensa de Pesqueiro
Aqui já floresce o rosmaninho e a giesta
Já se percebe o vale do Bazágueda
A reentrada em Portugal foi junto à foz do rio Torto no Bazágueda. Já estava portanto em terras de Penamacor. Mas atravessar o Bazágueda foi épico...; corrente, altura de água, seixos a "furar" os pobres pés ... quando me vi na margem portuguesa agradeci aos deuses... J


Rio Bazágueda ... uma travessia épica... J
Já em Portugal ... Penha Garcia estava logo ali a seguir ... faltavam só 14 km... J.

Para trás ainda as Torres das Ellas a o Xalmas
Vale
Feitoso
Barragem do Ponsul ... já falta pouco...
E ... Penha Garcia!
Penha Garcia ... à espera da "recolha"... J
Em Penha Garcia fui "recolhido" pelos amigos com quem iria partilhar o fim de semana ... em terras de Idanha. Tinha completado 40 km em sensivelmente 9 horas de jornada.

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