terça-feira, 22 de novembro de 2011

No reino da água e da pedra...

Uma semana no meu "retiro" de Vale de Espinho! Dias que alternaram entre Sol e chuva diluviana. Chuva benfazeja, que alimenta e revigora os campos ressequidos do verão e de um Outubro escaldante! Sol que ilumina as "minhas" paisagens arraianas, que aquece e alimenta as almas, que dá cor às folhas
Côa que levas as águas...     Vale de Espinho, 18.11.2011
dos castanheiros, que brilha sobre este "reino" da água e da pedra. Como que num permanente desafio, a um dia de Sol seguiu-se um dia de chuva, e assim se foram alternando ... e convidando-me a palmilhar as terras já mil vezes palmilhadas.
Num crescendo de êxtase e de distâncias, no dia seguinte a chegar tinha de ir logo ver o meu rio, o meu Côa, correndo célere e cantando de alegria, inundando os lameiros, rejubilantes de verde. A açude junto ao Moinho da Nogueira estava imponente; e dela desci o rio até àquele que é talvez o mais belo recanto do Côa em terras de Vale de Espinho: o Moinho do Rato. Não sei já quantas imagens tenho dele, mas cada imagem tem uma cor diferente, uma nova perspectiva, um cantar diferente das águas. Ali, conforme já noutro artigo citei ... "de repente damo-nos conta que envelhecemos, a ver envelhecer estas pedras que não envelhecem" (Sérgio Paulo Silva).

Moinho do Rato, Vale de Espinho, 20.11.2011
"E de repente damo-nos conta que envelhecemos, a ver envelhecer estas pedras que não envelhecem" (Sérgio Paulo Silva)
Anteontem - depois de um dia de chuva diluviana - e depois de uma pequena volta de bicicleta, à tarde rumei aos Urejais, aqui entre Vale de Espinho, Soito e Quadrazais, numa caminhada de 13 km … que acabei já de noite… :). Os Urejais (ou "rejais", na gíria popular de aqui) é outro "reino mágico". A ribeira que lhe dá o nome fica em muitos verões completamente seca, mas enche-se de águas límpidas assim que as chuvas voltam, salta e canta entre os penedos, formando belas cascatas e poços convidativos ao mergulho ... não fora a gélida temperatura das águas. O melhor e mais bonito caminho para aceder aos Urejais é pelo carvalhal que desce atrás do marco geodésico de Vale de Espinho, vestido agora com as cores de Outono. Depois, é subir a ribeira até ao caminho velho do Soito, ao longo das quedas e escutando o cantar das águas turbulentas. Nesta altura, o caminho velho do Soito é ele próprio rio, obrigando-nos também a nós a saltitar, a escolher bem a "terra firme". Quanta labuta e quantas histórias aqueles "chãos" e aqueles lameiros conheceram!

Caminho do carvalhal, para a ribeira dos Urejais  >
Ribeira dos Urejais, saltitante, 20.11.2011
Nova vida que brota
E o céu que ameaça desmoronar-se...
Caminho velho do Soito ...
onde a ribeira dos Urejais invade os caminhos
Atravessando a ribeira onde ela me deixou, passei para os cabeços, os Urejais dos barrocos, o "reino" da pedra, a terra da mula encantada, do barroco do sino, das grandes panorâmicas que vão para além de Quadrazais e do Soito. Por alturas do Cabeço do Mocho o Sol começou a recolher ... e assisti a um espectacular pôr do Sol por entre os barrocos e as giestas. Chegando ao Côa, o brilho das águas destacava-se nas sombras da noite, com a serra recortando-se no céu ainda colorido pelo astro-rei.

Cabeços dos Urejais, 20.11.2011
Barroco do Padre Carlos, Urejais
No reino da pedra...
E o resto da caminhada
foi nocturna...
Novo dia cinzento e com alguma chuva, ontem, deu lugar a um dia soalheiro, hoje, embora por vezes com algumas nuvens escuras. Também o dia mais frio: quando saí de casa, às 8 e meia da manhã, o termómetro assinalava 4,5ºC. Sem um rumo muito pensado, fui andando para leste, pelo caminho de Castelo Velho e das Cortes. O Ribeiro da Presa e o Rio Gordo ... estavam ambos bem "gordos" de água. E à medida que subia aos Entremontes, fui esboçando o rumo: ia à Serra Alta, sobre os Foios, saudar o Xálima, já em terras dos hermanos (a nossa Serra da Enxalma), para depois regressar ... pelas Fontes Lares.

Caminho de Castelo Velho, 22.11.2011, 8:50h ... 4,6ºC
Lameiros do Ribeiro da Presa
Quando o Rio Gordo invade os caminhos
Dois fieis amigos...
Lameiros do Rio Gordo
Vale Covo, Foios, 22.11.2011
Cruzar o Vale Covo foi "problemático", com grandes lençóis de água a obrigar a sair e a reentrar do caminho. Mas ao ganhar altura, subindo a Serra Alta, a panorâmica foi-se alargando para a Serra das Mesas, para a nascente do Côa, para a Enxalma, coberta por um capacete de nuvens. Para nordeste, a meseta castelhana e a Serra da Penha de França. Para norte, Aldeia Velha, Forcalhos, Aldeia da Ponte, Alfaiates ... e tanto mais, a perder de vista. O cimo da Serra Alta atinge os 1144 metros de altitude. Mas de há uns anos para cá estas cumeadas, como tantas outras, foram povoadas por uma estranha "plantação", de umas estranhas "árvores", bem altas e esguias, de compridos "ramos" que giram ao vento...; tudo em nome de uma energia supostamente limpa ... que de limpa e inócua tem muito pouco.

Casa abrigo da nascente do Côa, Serra das Mesas, 22.11.2011
Aldeia Velha, Aldeia da Ponte, panorâmica da Serra Alta
O Xálima (Serra da Enxalma), ao fundo
Geodésico da Serra Alta (1144m alt.), 22.11.2011
No regresso, tinha de vir pelo lugar "sagrado" das terras de Vale de Espinho nas encostas da Serra Madeira: as Fontes Lares. As histórias e as "lendas" ligadas à vida e ao trabalho dos progenitores e dos antepassados da minha boa estrela, fazem daquele lugar, das ruínas da velha casa (que um dia ainda conheci de pé), da fontinha de maravilhosa água, do barroco, da pequena presa, dos lameiros ... um lugar "sagrado"! Mas hoje, ao chegar às Fontes Lares ... quase me deu um baque de raiva e de ódio! Um bando de selvagens ali fez recentemente um "banquete", certamente comemorativo de alguma coisa, provavelmente da sua estupidez e selvajaria! À volta da fontinha, os selvagens encantaram-se certamente com a paisagem que deixaram: espalhadas por uma área considerável, o solo e os arbustos estavam "enfeitados" de latas de conserva, sacos de plástico vazios e rotos, embalagens de iogurtes, papéis...; mas como se isso não bastasse, o bacanal teve também brinde de cerveja, cujas garrafas (quatro) ... foram atiradas para a água que brota límpida da nascente. Não fotografei a "paisagem" propositadamente. Não quero recordá-la, nem mostrá-la a quem conhece aquele lugar único. E acabei por me zangar comigo mesmo por não ter comigo nenhum saco que permitisse recolher aqueles materiais. Juntei-os o melhor possível, afastando-os da água e envolvendo-os com as pedras grandes que ali abundam ... e entreguei-me depois à energia telúrica que emana do barroco "sagrado", pensando se haverá alguma desculpa e algum perdão para quem actua daquele modo. É pouco provável que os membros do bando que por ali passou leiam estas linhas ... mas, se acaso isso acontecer, espero sinceramente que nas suas casas vivam na imundície que ali deixaram.

Mais um amigo: este fez o resto da caminhada comigo!
Lameirão: ligeireza e vida!
Fontes Lares: pedras que respiram histórias e estórias
Fontes Lares: nascente
da melhor água da zona
Fontes Lares: a energia da terra emana do barroco "sagrado" ...
... e entregamo-nos à Natureza purificadora!
Adeus Fontes Lares
Vale de Espinho, do Areeiro, 22.11.2011 - Não é um adeus, é só um até breve!
Das Fontes Lares a casa "voei": 3,5 km em meia hora foi uma boa média... :) Tinha feito 17,5 km nesta jornada. À tarde, ainda se formou um "grupo prospector", na demanda de um dos produtos da terra que nesta altura mais abundam: os tartulhos. Para os lados do Vale da Maria, a recolha ainda rendeu ... e vai dar para amanhã levar para Lisboa, já que esta semana no "retiro espiritual" raiano ... terminou.

Ver o álbum de fotos completo
As duas caminhadas principais desta semana raiana

1 comentário:

White Angel disse...

Olá Zé,

Parabéns pelo texto, pelas fotos e pelo percurso. De repente até eu tive vontade de conhecer esse reino sagrado, essas ruínas e as historias que elas contem.

Beijinho e continuação de boas caminhadas.
Dorita